sexta-feira, 30 de março de 2012

CONVITE AO ESTUPRO E À PEDOFILIA – OS LOBISOMENS ESTÃO SOLTOS.


Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com



Um lobisomen estuprou três garotas menores de 12 anos. Todavia tanto o juiz singular quanto o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o inocentaram, sob a fundamentação de que as menores “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”.


É claro que houve recurso para o STJ.

“Com efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado, verdadeiramente, o bem jurídico tutelado – a liberdade sexual –, haja vista constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum tempo”, concluiu a ministra relatora da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).


E a relatora ainda afirmou que “O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais, ponderando-as, inclusive e principalmente, no caso em debate, pois a educação sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais encontradas em um país de dimensões continentais”


Ora bolas! Se o direito não é estático decerto agora está deixando os aplicadores do direito, EXTÁTICOS (não com s, mas com x, que significa: absortos em êxtases; que caem em êxtases; EMBEVECIDOS; ENLEVADOS), com o ato desse lobisomen, porque devem achar linda essa paixão, fúria ou ato selvagem de um peludo.


Está virando moda, os bichos quererem praticar algo ilegal contra a vontade de uma pessoa? Por acaso mesmo admitindo a hipótese dessa pessoa ser uma prostituta, ela estará obrigada a praticar ato sexual com quem não quer? ISSO É TORPEZA QUE CAUSA INDIGNAÇÃO!!!


Até a lei Maria da Penha protege a mulher seja ela casada ou com relações afetivas horizontais, ou com namorados, noivos, “ficantes”, conviventes ou companheiros de uma união estável. Enfim o legislador afirma que a tutela jurisdicional não depende da coabitação ou de morar na mesma casa. Dessa forma o homem pode ser acusado de praticar crime de estupro contra a mulher enquanto sob a vigência de um relacionamento amoroso do casal:


“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
[...]
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”


MAS ESSA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS INDEFESAS PODE? OU A AÇÃO DESSE BANDIDO NÃO VIOLOU A INTEGRIDADE FÍSICA E PSICOLÓGICA DESSAS MENINAS?


No Art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, está escrito:


“Art. 5º NENHUMA criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, VIOLÊNCIA, crueldade e opressão, punido na forma da lei QUALQUER ATENTADO, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” [o destaque em caixa alta é meu]


Por acaso o vocábulo NENHUMA pode ter outro significado? QUALQUER ATENTADO significa que pode haver exceção?


Aliás, o ECA está perfeitamente em consonância com o Art. 227 da Constituição Federal/88, eis o que diz esse artigo:


“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”


DO JEITO COMO AS COISAS ESTÃO CAMINHANDO NESTE PAÍS, CADA PESSOA TERÁ QUE SE DEFENDER COMO PODE, PORQUE O ESTADO NÃO ESTÁ CUMPRINDO O SEU PAPEL.

DE TAL SORTE E NESSE DIAPASÃO, QUEM MATAR UM BANDIDO NÃO PODE SER CONDENADO, SÓ PORQUE O BANDIDO JÁ MATOU OUTRAS PESSOAS?


Diabos! Por acaso os Tribunais Superiores já não firmaram orientação jurisprudencial, no sentido de que o estupro e o atentado violento ao pudor, tanto na forma simples quanto qualificada, devem ser considerados crimes hediondos? Pelo menos é o que se entende quando o Superior Tribunal Federal afirmou que: "o crime de atentado violento ao pudor, tanto na sua forma simples, CP, art. 214, quanto na qualificada, CP, art. 223, caput e parágrafo único, é hediondo, ex vi do disposto na Lei 8.072/90" (HC 81.411-SC, 2ª Turma, rel. min. Carlos Velloso ); assim como: os "crimes de estupro e atentado violento ao pudor, ainda que em sua forma simples, configuram modalidade de crime hediondo".( HC 81.317-SC, 2ª Turma, rel. min. Celso Mello. HC 81.288-SC. Julgamento em de 18.12.2001. Decisão do Pleno firmou o entendimento de que “o estupro e o atentado violento ao pudor, seja na forma simples ou básica, quanto na forma qualificada, são crimes hediondos". HC 81.288-SC. Julgamento em de 18.12.2001. Decisões mais recentes confirmam esta tendência: "a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que ‘os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, tanto nas suas formas simples Código Penal, arts. 213 e 214 como nas qualificadas (Código Penal, art. 223, caput e parágrafo único), são crimes hediondos". HC 93794 / RS - Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Julgamento: 16/09/2008. DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008. EMENT VOL-02338-03 PP-00464. Seguem esta orientação: HC 92997 / SP - Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 24/06/2008. DJe-162 DIVULG 28-08-2008 PUBLIC 29-08-2008. EMENT VOL-02330-03 PP-00523. HC 89554 / DF - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 06/02/2007. DJ 02-03-2007 PP-00046 EMENT VOL-02266-04 PP-00673; HC 88245 / SC - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Relator(a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 16/11/2006. DJ 20-04-2007 PP-00087 EMENT VOL-02272-02 PP-00229.)


Júlio Fabrini Mirabete (Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2003, p. 411), ensina que: “Embora a relação carnal voluntária seja lícita ao cônjuge, é ilícita e criminosa a coação para a prática do ato por ser incompatível com a dignidade da mulher e a respeitabilidade do lar. A evolução dos costumes, que determinou a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, justifica essa posição. Como remédio ao cônjuge rejeitado injustificadamente caberá apenas a separação judicial”


Damásio Eleno de Jesus (Direito penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 96), persegue a mesma linha de raciocínio: “Entendemos que o marido pode ser sujeito ativo do crime de estupro contra a própria esposa. Embora com o casamento surja o direito de manter relacionamento sexual, tal direito não autoriza o marido a forçar a mulher ao ato sexual, empregando contra ela a violência física ou moral que caracteriza o estupro. Não fica a mulher, com o casamento, sujeita aos caprichos do marido em matéria sexual, obrigada a manter relações sexuais quando e onde este quiser. Não perde o direito de dispor de seu corpo, ou seja, o direito de se negar ao ato sexual [...]. Assim, sempre que a mulher não consentir na conjunção carnal e o marido a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa”.


A mulher por ser criança é diferente? E por isso pode ser forçada a fazer o que não quer? Parece que a porta do inferno foi aberta para os demônios trevosos aprontarem as suas danações!

quarta-feira, 28 de março de 2012

Trabalhador demitido sem justa causa, tem direito de manter o plano de saúde, desde que assuma o pagamento integral da contribuição, por 24 meses.


Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com

Recente decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reafirmou o direito dos trabalhadores, quanto demitidos sem justa causa, continuarem mantendo o mesmo plano de saúde a que estavam vinculados durante o contrato de trabalho, por 24 meses, desde que assumam o pagamento integral da contribuição, ou seja, desde que paguem a parte patronal e a parte que lhe corresponde.

Veja a decisão sobre um caso, na íntegra:

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

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RECURSO ESPECIAL Nº 925.313 - DF (2007⁄0031572-5)

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL

ADVOGADO

:

ISRAEL PINHEIRO TORRES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

SALO RENATO

ADVOGADO

:

OSIVAL DANTAS BARRETO

EMENTA

PLANO DE SAÚDE E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO ACERCA DE VIOLAÇÃO À RESOLUÇÃO. DESCABIMENTO. RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL. CONSUMO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 30 DA LEI 9.656⁄98. NORMA AUTO-APLICÁVEL, QUE PRESCINDE DE REGULAMENTAÇÃO.

1. O artigo 30 da Lei 9.656⁄98 confere o direito, após a cessação do vínculo laboral do autor, de ser mantido nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava durante a vigência de seu contrato de trabalho, desde que assuma o pagamento integral da contribuição.

2. O autor despendia R$ 110,75 (cento e dez reais e setenta e cinco centavos) pela assistência médico-hospitalar, e o empregador arcava com R$ 166,13 (cento e sessenta e seis reais e treze centavos), totalizando R$ 276,88 (duzentos e setenta e seis reais e oitenta e oito centavos). Com a mudança para outro plano, com pior cobertura, dentro do período em que o consumidor tinha direito a ser mantido no plano primevo, passou a pagar R$ 592,92 (quinhentos e noventa e dois reais e noventa e dois centavos), não se podendo admitir que o tenha feito espontaneamente.

3. Os denominados deveres anexos, instrumentais, secundários ou acessórios revelam-se como uma das faces de atuação ou operatividade do princípio da boa-fé objetiva, sendo nítido que a recorrente faltou com aqueles deveres, notadamente os de lealdade; de não agravar, sem razoabilidade, a situação do parceiro contratual; e os de esclarecimento; informação e consideração para com os legítimos interesses do parceiro contratual.

4. Os artigos 6º, incisos III, IV, V, 46, 51, incisos I, IV, XV, parágrafos 1º e 2º do Código de Defesa do Consumidor e 16, inciso IX, da Lei 9.656⁄98 impõem seja reconhecido o direito de o autor permanecer no Plano em que se enquadrava, com as mesmas condições e cobertura assistencial, no período subsequente ao rompimento de seu vínculo empregatício com o Banco.

5. Todavia, como o artigo 30, § 1º, da Lei 9.656⁄98 impõe a manutenção do ex-empregado como beneficiário do plano de saúde, contanto que assuma o pagamento integral, pelo período máximo de 24 meses e, no caso, por força de antecipação dos efeitos da tutela, o autor permanece no denominado "Plano Associado" desde o ano de 2003, não pode ser mais imposto à ré a manutenção do recorrido naquele Plano.

6. Recurso especial parcialmente provido.


ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Raul Araújo, dando parcial provimento ao recurso, acompanhando o Relator, e os votos dos Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi no mesmo sentido, a Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo (voto-vista), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 06 de março de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 925.313 - DF (2007⁄0031572-5)

RECORRENTE

:

CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL

ADVOGADO

:

ISRAEL PINHEIRO TORRES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

SALO RENATO

ADVOGADO

:

OSIVAL DANTAS BARRETO

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Salo Renato ajuizou, em outubro de 2003, ação de cumprimento de obrigação de fazer em face da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil - CASSI. Narra que, como funcionário do Banco do Brasil, manteve-se vinculado à CASSI, inscrito no denominado "Plano Associado" - entre 12 de setembro de 1977 e 15 de junho de 2002. Argumenta que, com o rompimento de seu vínculo empregatício com o Banco, a ré, com base no artigo 6º de seu Estatuto, promoveu, de modo unilateral, sua desfiliação do plano, obrigando-o a aderir ao "Plano Saúde Familiar", mais oneroso e menos benéfico, inclusive com limitação quanto ao atendimento dos dependentes do titular. Expõe que, após a cessação da relação laboral deve o empregado responder pela complementação, assumindo a parcela patronal em percentual da ordem de 4,5%, o que elevaria a sua mensalidade no "Plano Associado" ao valor de R$ 276,88. Assevera que os artigos 30 e 31 da Lei 9.656⁄98 asseguram aos exonerados ou demitidos sem justa causa o direito de se manterem no plano de saúde, e com o mesmo enquadramento.

Após algumas vicissitudes e a concessão, em 30 de outubro de 2003, da antecipação dos efeitos da tutela para determinar à ré que mantivesse o autor no "Plano Associado", o Juízo da 17ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília - DF julgou procedentes os pedidos formulados na inicial.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Interpôs a ré apelação para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que, por maioria, deu provimento ao recurso, em decisão assim ementada:

CIVIL. AÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REINCLUSÃO DE ASSOCIADO DEMITIDO DO BANCO DO BRASIL SEM JUSTA CAUSA NO "PLANO ASSOCIADO" DA CASSI. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA REJEITADA. PROVA DA OPÇÃO PELO "PLANO SAÚDE FAMÍLIA", NOS TERMOS DO ART. 2º, § 6º DA RESOLUÇÃO Nº 20 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. INEXISTÊNCIA DE OFENSA ART. 30 DA LEI Nº 9.656⁄98.

Opostos embargos infringentes pelo autor, foram providos para restabelecer o voto vencido do acórdão da apelação, que manteve a sentença.

O acórdão tem a seguinte ementa:

DIREITO CIVIL. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. REINCLUSÃO DE ASSOCIADO DEMITIDO DO BANCO DO BRASIL SEM JUSTA CAUSA NO "PLANO ASSOCIADO" DA CASSI. O ART. 30 DA LEI 9.656⁄98, REGULAMENTADO PELA RESOLUÇÃO N. 20 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - CONSU - (ART. 2º, § 6º), ESTIPULA QUE AO EX-EMPREGADO DEVE SER DADA OPORTUNIDADE PARA FAZER OPÇÃO PELA MANUTENÇÃO NO PLANO OU SEGURO COLETIVO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DECORRENTE DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO, NAS MESMAS CONDIÇÕES DE QUE GOZAVA QUANDO DA VIGÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO, DESDE QUE TAMBÉM ASSUMA O PAGAMENTO DA PARCELA PATRONAL. A FALTA DESSA OPÇÃO JAMAIS PODE SER INTERPRETADA CONTRA O EX-EMPREGADO DE MODO A TORNAR O CONTRATO MAIS GRAVOSO E MENOS PROVEITOSO À PARTE MAIS FRACA DA RELAÇÃO JURÍDICA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. UNÂNIME.

Interpôs a ré recurso especial com fundamento no artigo com fundamento no artigo 105, III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal sustentando divergência jurisprudencial e violação aos artigos 30 da Lei 9.656⁄98; 1º, 2º, 3º, 30 e 31 da Resolução CONSU n. 20; 4º da Lei 9.961⁄2000; 258 do Código Civil; 6º do Código de Defesa do Consumidor e 333 do Código de Processo Civil.

Alega a recorrente que, nos termos de seu Estatuto, só é possível a manutenção no "Plano Associado" enquanto perdurar o vínculo empregatício do titular com o Banco do Brasil.

Afirma que o autor também deveria ter feito uso de seu direito de optar pelo plano, no prazo de 30 dias após seu desligamento do banco, o que não foi feito, pois aderiu voluntariamente a outra modalidade de plano de saúde.

Sustenta que os artigos 30 e 31 da Lei 9.656⁄98 não são auto-aplicáveis, pois carecem de regulamentação.

Expõe que compete à ANS propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar - CONSU, tendo força regulamentar as resoluções expedidas por esse Conselho, não havendo que se cogitar a aplicação de normas do Código de Defesa do Consumidor.

Assevera que o recorrido não teve interesse em exercer o direito, no prazo de 30 dias, de permanecer no "Plano Associado", tendo aderido, espontaneamente, ao "Plano Saúde Família".

Acena que o "Plano Associado" é um benefício contratual do Banco do Brasil destinado aos funcionários ativos e aposentados e que, em havendo o desligamento do Banco, o titular do plano se desvincula do "Plano Associado".

Menciona que a Resolução CONSU n. 20,regulamenta os artigos 30 e 31 da Lei 9.656⁄98, estipulando o prazo limite de 24 meses para a permanência no plano.

Em contrarrazões, afirma o recorrido que: a) a Resolução CONSU n. 20 não é Lei Federal; b) não houve prequestionamento acerca da Lei 9.961⁄2000 e dos artigos 258 do Código Civil e 333 do Código de Processo Civil; c) a alegada limitação do prazo de 24 meses prevista no artigo 30 da Lei 9.656⁄98 constitui inovação, em sede de recurso especial, visto que não foi agitada oportunamente.

O recurso especial foi admitido.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 925.313 - DF (2007⁄0031572-5)

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL

ADVOGADO

:

ISRAEL PINHEIRO TORRES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

SALO RENATO

ADVOGADO

:

OSIVAL DANTAS BARRETO

EMENTA

PLANO DE SAÚDE E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO ACERCA DE VIOLAÇÃO À RESOLUÇÃO. DESCABIMENTO. RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL. CONSUMO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 30 DA LEI 9.656⁄98. NORMA AUTO-APLICÁVEL, QUE PRESCINDE DE REGULAMENTAÇÃO.

1. O artigo 30 da Lei 9.656⁄98 confere o direito, após a cessação do vínculo laboral do autor, de ser mantido nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava durante a vigência de seu contrato de trabalho, desde que assuma o pagamento integral da contribuição.

2. O autor despendia R$ 110,75 (cento e dez reais e setenta e cinco centavos) pela assistência médico-hospitalar, e o empregador arcava com R$ 166,13 (cento e sessenta e seis reais e treze centavos), totalizando R$ 276,88 (duzentos e setenta e seis reais e oitenta e oito centavos). Com a mudança para outro plano, com pior cobertura, dentro do período em que o consumidor tinha direito a ser mantido no plano primevo, passou a pagar R$ 592,92 (quinhentos e noventa e dois reais e noventa e dois centavos), não se podendo admitir que o tenha feito espontaneamente.

3. Os denominados deveres anexos, instrumentais, secundários ou acessórios revelam-se como uma das faces de atuação ou operatividade do princípio da boa-fé objetiva, sendo nítido que a recorrente faltou com aqueles deveres, notadamente os de lealdade; de não agravar, sem razoabilidade, a situação do parceiro contratual; e os de esclarecimento; informação e consideração para com os legítimos interesses do parceiro contratual.

4. Os artigos 6º, incisos III, IV, V, 46, 51, incisos I, IV, XV, parágrafos 1º e 2º do Código de Defesa do Consumidor e 16, inciso IX, da Lei 9.656⁄98 impõem seja reconhecido o direito de o autor permanecer no Plano em que se enquadrava, com as mesmas condições e cobertura assistencial, no período subsequente ao rompimento de seu vínculo empregatício com o Banco.

5. Todavia, como o artigo 30, § 1º, da Lei 9.656⁄98 impõe a manutenção do ex-empregado como beneficiário do plano de saúde, contanto que assuma o pagamento integral, pelo período máximo de 24 meses e, no caso, por força de antecipação dos efeitos da tutela, o autor permanece no denominado "Plano Associado" desde o ano de 2003, não pode ser mais imposto à ré a manutenção do recorrido naquele Plano.

6. Recurso especial parcialmente provido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Preliminarmente, cumpre observar que descabe apreciação acerca da alegada violação à Resolução administrativa, em sede de recurso especial:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. ARESP. APONTADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE OFENSA A ATOS NORMATIVOS SECUNDÁRIOS PRODUZIDOS POR AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS. RECURSO ESPECIAL. NÃO-CABIMENTO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO. FRAUDE NO MEDIDOR. DÉBITO PRETÉRITO. IMPOSSIBILIDADE.

[...]

2. Em relação ao exame dos dispositivos da Resolução da Aneel, esta Corte Superior pacificou seu entendimento no sentido de que a análise de dispositivos de resolução e demais espécies de diplomas infralegais não pode ser feita, posto que tais espécies normativas não se equiparam às leis federais para fins de interposição de recurso especial. Precedentes.

[...]

5. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AgRg no AREsp 59.058⁄RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02⁄02⁄2012, DJe 10⁄02⁄2012)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ANÁLISE NA VIA ESPECIAL.IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DE SÚMULA E DE DISPOSITIVO DO REGIMENTO INTERNO DO TJPI. NORMATIVOS NÃO ABRANGIDOS PELO CONCEITO DE "LEI FEDERAL". RITO PROCESSUAL NA ORIGEM. REVISÃO DO JULGADO. SÚMULA 7⁄STJ. ARTS. 37 e 485, §1º, DO CPC. ERRO NA INTIMAÇÃO DO ADVOGADO DA PARTE. PREJUÍZO NÃO VERIFICADO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282⁄STF E 211⁄STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO. AUSÊNCIA.

[...]

2. O recurso especial não constitui via adequada para a análise de eventual ofensa a resoluções, portarias, instruções normativas ou a regimentos internos de tribunais, tampouco a enunciados sumulares.

[...]

8. Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental. Agravo regimental não provido.

(EDcl no AREsp 37.727⁄PI, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02⁄02⁄2012, DJe 17⁄02⁄2012)

3. Outrossim, não houve prequestionamento da tese a respeito de violação ao artigo 333 do Código de Processo Civil, de modo que a questão encontra óbice intransponível na Súmula 282 do STF.

4. Ademais, a relação jurídica material é de consumo, sendo irrelevante a natureza jurídica da ré, que, ainda que se diga sem caráter lucrativo, mantém plano de saúde remunerado:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA LIMITATIVA DE SESSÕES DE RPG. CLÁUSULA ABUSIVA.ART. 3º E 6º CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ASSOCIAÇÃO. COBERTURA DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR. RELAÇÃO DE CONSUMO. PRECEDENTES. REVISÃO ACÓRDÃO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA PROBATÓRIA E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7⁄STJ.

1. Não se conhece de matéria que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal de origem (Súmula 211⁄STJ).

2. "A relação de consumo caracteriza-se pelo objeto contratado, no caso a cobertura médico-hospitalar, sendo desinfluente a natureza jurídica da entidade que presta os serviços, ainda que se diga sem caráter lucrativo, mas que mantém plano de saúde remunerado." (REsp 469911⁄SP, Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, DJ: 12.02.08).

3. A obrigatoriedade da agravante em arcar com o tratamento terapêutico da autora, sem limitação das sessões de RPG, foi aferida consoante a análise do contrato e das provas dos autos pela Corte local. Rever tal entendimento esbarraria no óbice das Súmulas 5 e 7⁄STJ.

4. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa.

(AgRg no Ag 1317109⁄RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25⁄10⁄2011, DJe 04⁄11⁄2011)

AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE COBRANÇA. REEMBOLSO DE DESPESAS REALIZADAS COM ATENDIMENTO EMERGENCIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS STF⁄282 E 356. QUESTÃO DECIDIDA A PARTIR DA INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA DO REGULAMENTO DA GEAP E DA ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DA CAUSA. REEXAME. DESCABIMENTO. SÚMULAS STJ⁄5 E 7.

I - Segundo entendimento desta Corte, a relação de consumo caracteriza-se pelo objeto contratado, no caso a cobertura médico-hospitalar, sendo desinfluente a natureza jurídica da entidade que presta os serviços, ainda que se diga sem caráter lucrativo, mas que mantém plano de saúde remunerado. (REsp 469.911⁄SP, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJ 10.3.08).

II - No que se refere à alegação de que o CDC não se aplica a contratos firmados antes de sua vigência, ressente-se o Especial do devido prequestionamento (Súmulas do STF⁄282 e 356).

III - Ao reconhecer que a autora teria direito ao reembolso das despesas realizadas com cirurgia cardíaca emergencial, a que foi submetida sua dependente no plano de saúde, amparou-se o Acórdão recorrido na interpretação do art. 42 do Regulamento da GEAP, bem como na análise das circunstâncias fáticas da causa, especialmente relacionadas à idade avançada da paciente e à natureza emergencial do atendimento, questões que não podem ser revistas em âmbito de Especial, ante o óbice das Súmulas 5 e 7 deste Tribunal.

IV - Agravo Regimental improvido.

(AgRg no REsp 900.508⁄DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25⁄05⁄2010, DJe 10⁄06⁄2010)

5. Por outro lado, no que tange à tese de ter fluído o prazo de 30 dias, previsto no artigo 2º, § 6º, da Resolução CONSU n. 20, para o recorrido optar por sua permanência no plano primevo, fica límpido que a decisão tomada pelo Tribunal de origem decorreu de fundamentada convicção amparada na análise dos elementos existentes nos autos, de modo que a eventual revisão da decisão recorrida esbarraria no óbice intransponível imposto pela Súmula 7 desta Corte.

Note-se:

CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE EM GRUPO. EX-EMPREGADO. ART. 30, DA LEI 9.656⁄98. REQUISITOS PARA PERMANÊNCIA. SÚMULA N. 7⁄STJ. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356⁄STF. DESPROVIMENTO.

(AgRg no Ag 887.575⁄RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 13⁄05⁄2008, DJe 16⁄06⁄2008)

6. Na questão meritória, o voto vencido do acórdão da apelação assentou:

Sustenta a Apelante, a ocorrência da decadência do direito do autor, de acordo com os arts. 1º, 2º, § 6º e art. 3º, § 7º, da Resolução CONSU nº 20, que estipulam o prazo máximo de 30(trinta) dias após o desligamento do funcionário do Banco do Brasil, para requerer sua permanência no plano de associados.

Aduz que, mesmo se aplicando o CDC, o direito do requerente estaria caduco, já que decorridos os 90 (noventa) dias previsto na Lei nº 8.078⁄90.

Razão não assiste ao recorrente.

[...]

Por sua vez, o § 6º do art. 2º transcrito acima fixa o prazo máximo de trinta dias após o desligamento para que o demitido, sem justa causa, opte pela sua permanência no plano.

No entanto, essa opção deve ser precedida de uma comunicação da empresa, o que, na hipótese, não ocorreu.

Nem se pode cogitar que esta oportunidade foi dada pela Recorrente ao ora Apelado pois, causaria estranheza que uma pessoa, espontaneamente, aderisse a um novo plano de saúde, cujo custo alcançaria quase três vezes o anterior, se nesse último pudesse permanecer arcando apenas com a parte que antes era de responsabilidade da empresa empregadora.

Restou claro que não foi oferecido ao Autor, ora Apelado, a opção de permanência no antigo Plano Associado.

Assim, ante a ausência de comprovação de que a Apelante ofereceu ao autor a opção de permanência no plano associado, não há falar-se em dies a quo para o início da contagem do prazo decadencial, razão pela qual afasto a prejudicial levantada.

No mérito, pretende a Apelante a reforma da r. sentença, sustentando que obedeceu rigorosamente o disposto na Lei nº 9.656⁄98, na Lei nº 9.961⁄00 e na Resolução CONSU nº 20.

Repisa que o art. 30 da Lei nº 9.656⁄98 não é auto-aplicável, e que a citada Resolução tem natureza normativa e regulamentar.

[...]

Reafirma, ainda, que a manutenção do Autor e seus dependentes no Plano Associado somente seria possível durante o período máximo de 24 (vinte e quatro) meses após o encerramento do vínculo empregatício com o Banco do Brasil, conforme preceituado no art. 30, § 1º da Lei nº 9.656⁄98.

Novamente, sem razão a recorrente.

[...]

No tocante ao pedido da Apelante de limitação da permanência do autor no Plano Associado pelo prazo de 24 meses, tenho que também não merece acolhida.

Não obstante o § 1º, do art. 30 da Lei nº 9.656⁄98 limite o período de manutenção da condição de beneficiário, no caso de demitidos, sem justa causa, no máximo de vinte e quatro meses, a Resolução CONSU nº 20, em seu art. 3º, § 2º, dispõe, verbis:

[...]

Como se depreende dos dispositivos acima, deveria a Apelante providenciar um plano que abarcasse os inativos e os demitidos, sem justa causa, no prazo estipulado acima (arts. 2º e 3º da Resolução CONSU nº 20).

Porém, deixou a Recorrente de cumprir o estabelecido na Resolução CONSU nº 20, não apresentando qualquer documentação que comprove que o Plano Família, oferecido ao recorrente, entrou em funcionamento para abrigar os inativos e demitidos.

Destarte, ante a ausência de um plano de assistência específico, correta a manutenção do Apelado, no plano de associados até a implementação do novo plano, segundo o disposto no § 2º, do art. 3º, da aludida Resolução, não havendo que se falar em limitação de 24 meses. (fls. 263- 267)

O acórdão dos embargos infringentes, por seu turno, consignou:

Noticiam os autos que o embargante, na qualidade de empregado do Banco do Brasil S.A., esteve por vinte e cinco anos filiado ao “Plano Associado” da CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - CASSI. Informou o autor que, em razão do rompimento do vínculo empregatício, a CASSI, unilateralmente, o excluiu do benefício assistencial, com fulcro no artigo 6º do seu Estatuto. Aduziu que após tentativas infrutíferas no sentido de assegurar sua permanência no mencionado plano assistencial, a ré ofereceu-lhe a adesão ao “Plano Saúde Família”, destinado aos ex-associados, com vultoso acréscimo na mensalidade e cobertura menos abrangente. O embargante sentiu-se obrigado a filiar-se ao plano alternativo, a fim de não deixar sua família desprovida de assistência médico-hospitalar.

Ajuizou ação para cumprimento de obrigação de fazer com pedido liminar de tutela específica com vistas a retornar ao “Plano Associado”, com espeque no artigo 30 da Lei n. 9.656⁄9Art. 30 - Ao consumidor que contribuir para plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, decorrente de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma também o pagamento da parcela anteriormente de responsabilidade patronal., nas mesmas condições da vigência do contrato de trabalho. Pleiteou o ressarcimento dos valores pagos a maior por ter aderido a outro plano assistencial mais oneroso. Esclareceu que a referida norma garante a sua permanência no plano de assistência médico-hospitalar nas condições anteriores ao desligamento da empresa, desde que assuma o pagamento da parcela de responsabilidade patronal.

Os pedidos foram julgados procedentes para determinar a readmissão do autor no plano original e condenar a requerida a devolver as parcelas cobradas a maior em razão da adesão ao plano assistencial alternativo, além de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios. Fixou, ainda, multa diária em caso de descumprimento da determinação judicial no valor de R$ 300,00 (trezentos reais).

Nesta Instância Revisora, a sentença foi reformada, por maioria, para julgar improcedentes os pedidos iniciais, com inversão do ônus sucumbencial. Segundo o voto condutor, o requerente não comprovou que sua adesão ao plano alternativo foi imposta pela parte ré, tampouco a indigitada violação ao artigo 30 da Lei n. 9.656⁄98. A decisão colegiada ensejou a interposição dos presentes embargos infringentes, em que se reclama a prevalência do douto voto minoritário da lavra do eminente Desembargador Romeu Gonzaga Neiva, para manter a sentença monocrática.

Passo à análise do mérito.

Cinge-se a discussão em determinar se o embargante faz jus à sua permanência no plano assistencial em igualdade de condições com os demais associados, funcionários do Banco do Brasil S.A.

O artigo 30 da Lei n. 9.656⁄98, que disciplina os planos e seguros privados de assistência à saúde, assim dispõe, in verbis:

[...]

A Resolução n. 20 do Conselho Nacional de Saúde Suplementar – CONSU regulamentou o dispositivo acima transcrito nos seguintes termos, ad litteram:

“Art. 1º Para efeito do Art. 30 da Lei n. 9.656⁄98, aplicam-se as disposições desta resolução ao ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa, que contribuiu para o plano ou seguro coletivo de assistência à saúde, decorrente de vínculo empregatício, e foi desligado da empresa empregadora a partir de 02 de janeiro de 1999.

Art. 2º Para manutenção do exonerado ou demitido como beneficiário de plano ou seguro de assistência à saúde, as empresas empregadoras devem oferecer plano próprio ou contratado e as empresas operadoras ou administradoras de planos ou seguros de assistência à saúde devem oferecer à empresa empregadora, que o solicitar, plano de assistência à saúde para ativos e exonerados ou demitidos.

[...]

§ 6º - O exonerado ou demitido de que trata o Art. 1º, deve optar pela manutenção do benefício aludido no caput, no prazo máximo de trinta dias após seu desligamento, em resposta à comunicação da empresa empregadora, formalizada no ato da rescisão contratual” (grifei).

De uma análise interpretativa destes dispositivos, infere-se que a pretensão do autor encontra supedâneo jurídico, porquanto a Lei n. 9.656⁄98 assegura a permanência do funcionário demitido sem justa causa na assistência médico-hospitalar própria dos que mantém o vínculo empregatício.

Impende salientar que, de fato, não há nos autos documento hábil a demonstrar que a demissão do autor se deu sem justa causa, mas de outra banda, a parte ex adversa não impugnou; de molde que, tal raciocínio, aliado à condição de hipossuficiente do autor oportuniza uma interpretação favorável.

O § 6º supra, estipula que no momento da demissão, a empresa empregadora comunicará ao funcionário demitido a oportunidade de manter-se associado ao plano de benefício, com prazo de trinta dias para a opção. Na espécie, verifica-se que não houve qualquer comunicação do empregador neste sentido.

Sobre o tema, convém destacar parte do r. voto minoritário:

“Por sua vez, o § 6º do art. 2º transcrito acima fixa o prazo máximo de trinta dias após o desligamento para que o demitido, sem justa causa, opte pela sua permanência no plano.

No entanto, essa opção deve ser precedida de uma comunicação da empresa, o que, na hipótese, não ocorreu.

Nem se pode cogitar que esta oportunidade foi dada pela Recorrente ao ora Apelado pois causaria estranheza que uma pessoa, espontaneamente, aderisse a um novo plano de saúde, cujo custo alcançaria quase três vezes o anterior, se nesse último pudesse permanecer arcando apenas com a parte que antes era de responsabilidade da empresa empregadora.

Restou claro que não foi oferecido ao Autor, ora Apelado, a opção de permanência no antigo Plano Associado.”

A embargada sustentou, ainda, que não recebeu qualquer notificação do autor a indicar seu interesse em manter-se associado. Ante o disposto no artigo 6º do Estatuto da CASSI, o argumento cai por terra, pois a exclusão do beneficiário, conforme tal norma, é automática.

Não é crível a alegação de que o embargante abdicou voluntariamente de um bom plano assistencial do qual era associado há anos, para aderir a outro mais oneroso e com menos vantagens. Ressalte-se que o autor despendia R$ 110,75 (cento e dez reais e setenta e cinco centavos) pela assistência médico-hospitalar, e o empregador arcava com R$ 166,13 (cento e sessenta e seis reais e treze centavos), totalizando R$ 276,88 (duzentos e setenta e seis reais e oitenta e oito centavos). Com a alteração do plano, passou a pagar R$ 592,92 (quinhentos e noventa e dois reais e noventa e dois centavos). Tal atitude só poderia ser esperada diante de uma imposição por parte da empresa, ou pela falta de informação. Ambas as conjeturas são repelidas no ordenamento jurídico pátrio, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor, como à luz do Estatuto Civil.

Em que pesem os argumentos externados pela embargada, observa-se em diversos julgadoTJDF, acórdãos n. 218.515 (10-05-2005), 235.800 (19-12-2005), 242.344 (06-03-2006), 247.045 (23-05-2006). a aplicação da Lei Consumerista em desfavor da CASSI, erigindo o associado à qualidade de consumidor. Ademais, a lei regente (Lei n. 96.56⁄98) confere, expressamente, ao associado o tratamento de consumidor. Assim, deve ser observado o direito de informação e o princípio da transparência, bem como a proibição de práticas abusivas, previstos, respectivamente, nos incisos III e IV do artigo 6º da Lei n. 8.078⁄90.

Torna-se evidente o ônus da empresa embargada de informar o consumidor da possibilidade de manter-se no mesmo plano, desde que assuma a parcela de responsabilidade patronal, bem como sua obrigação de afastar a prática abusiva, consubstanciada em excluir automaticamente o associado e impor-lhe plano menos proveitoso.

E não se pode olvidar que se trata de um contrato de adesão. No direito brasileiro vigora o princípio social dos contratos (artigo 2.035, parágrafo único, CC⁄02), o qual autoriza a intervenção do juiz nos negócios jurídicos a fim de compatibilizar os interesses dos contratantes ao objeto do contrato, bem como à ordem econômica e social.

Impor ao consumidor a adesão a um contrato é pratica amplamente combatida. Na espécie, cumpria à empresa ré informar o embargante da possibilidade de se manter associado ao plano original, em homenagem aos mencionados direito à informação e princípio da transparência.

A embargada atribuiu natureza indivisível à sua relação com o embargante, ao argumento de que a adesão ao plano de saúde é um acessório, relacionado com o vínculo empregatício do beneficiário com o Banco do Brasil S.A., de maneira que uma vez desfeita a obrigação principal, mesma sorte teria a acessória.

Despicienda a argumentação, diante da expressa previsão legal em contrário. Não obstante o rompimento do vínculo laboral, lei ordinária assegura a permanência do ex-funcionário no plano de benefícios. E, diante do princípio da hierarquia das normas, um estatuto não pode obstar a aplicação de norma federal.

Não merece acolhida também a indigitada ausência de auto-aplicabilidade da Lei n. 9.656⁄98. A uma porque inexiste qualquer disposição na referida lei a indicar a necessidade de regulamentação, a duas porque a Resolução da CONSU expressamente regulamenta a versada Lei.

Diga-se de passagem, a controvérsia em análise não é novidade para a empresa embargada, pois há muito se discute a situação dos ex-funcionários. É o que se depreende dos documentos juntados às fls. 257⁄271. O parecer técnico da assessoria jurídica do Banco do Brasil S.A., datado de 11-08-1999, concluiu que o Plano Saúde Família, oferecido aos exonerados⁄demitidos não é satisfatório à luz da legislação de regência, verbis:

[...]

Nesse turno, tenho que não há dúvidas acerca do direito do embargante em permanecer no “Plano Associado”, e que a embargada agiu de maneira ilegal ao desligá-lo unilateralmente, sem informá-lo da possibilidade de manter-se naquela condição.

6.1. O ponto controvertido principal, se faz jus o autor a permanecer no mesmo plano de saúde que possuia no momento da demissão sem justa causa, e se há tempo máximo para essa permanência, passa pela interpretação do disposto no artigo 30 da Lei 9.656⁄98:

Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

§ 1o O período de manutenção da condição de beneficiário a que se refere o caput será de um terço do tempo de permanência nos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses.

§ 2o A manutenção de que trata este artigo é extensiva, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho.

§ 3o Em caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, nos termos do disposto neste artigo.

§ 4o O direito assegurado neste artigo não exclui vantagens obtidas pelos empregados decorrentes de negociações coletivas de trabalho.

§ 5o A condição prevista no caput deste artigo deixará de existir quando da admissão do consumidor titular em novo emprego.

§ 6o Nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a co-participação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar.

O dispositivo alberga norma auto-aplicável, não tendo eficácia condicionada à edição de ato normativo infralegal.

Nesse diapasão, propugna Silvio Luis Ferreira da Rocha, com remissões à doutrina de Pontes de Miranda e de Celso Antônio Bandeira de Mello, que o regulamento tem função meramente auxiliar às leis, não tendo o condão de regular liberdade, propriedade ou de impor obrigação de fazer ou não fazer:

2. O segundo problema envolve os limites do poder regulamentar a ser exercido por esses órgãos, especialmente o Consu. No Brasil, o poder regulamentar (melhor seria designá-lo dever regulamentar) atribuído ao Poder Executivo, nele compreendido o de editar resoluções, tem inúmeras restrições. Vige em nosso direito constitucional o princípio da legalidade e como conseqüência não se reconhece ao poder regulamentar a possibilidade de ultrapassar os limites impostos pela lei e, assim, criar, alterar ou extinguir direitos. Conforme lição de Pontes de Miranda "onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos - há abuso do poder regulamentar, invasão de competência legislativa. O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei". Ainda nesse sentido os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello para quem:

"... é livre de qualquer dúvida ou entre dúvida que, entre nós, por força dos arts. 5º, II, 84, IV, e 37 da Constituição, só por lei se regula liberdade e propriedade; só por lei se impõem obrigações de fazer ou não fazer. Vale dizer: restrição alguma à liberdade ou à propriedade pode ser imposta se não estiver previamente delineada, configurada e estabelecida em alguma lei, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos e regulamentos. Este último traço é que faz do regulamento, além de regra de menor força jurídica que a lei, norma dependente dela, pois forçosamente a pressupõe, sem o quê nada poderia dispor. No Direito pátrio, sem a lei não haveria espaço jurídico para o regulamento".

Além de obediência estrita aos limites impostos pela lei, o exercício do poder (dever) regulamentar cabe, tão-somente, em matéria objeto de ação administrativa ou que desta dependa e onde houver liberdade administrativa a ser exercida. (MARQUES, Cláudia Lima; LOPES, José Reinaldo de Lima; PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos (Coords.). Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, ps. 158 e 159)

Nesse sentido, vem a calhar o acórdão da Terceira Turma, referente ao REsp. 820.379-DF :

Recurso especial. Ação de obrigação de fazer. Empregado demitido. Pretensão à permanência em plano de saúde oferecido pela empresa. Direito previsto no art. 30 da Lei n.º 9.656⁄98. Exercício condicionado à regulamentação pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por força do inciso XI, do 4.°, da Lei n.° 9.961⁄2000. Desnecessidade. Norma auto-aplicável. Interpretação das leis ordinárias para dar máxima eficácia ao direito fundamental à saúde, assegurado no art. 196 da CF.

- O art. 30 da Lei n.° 9.656⁄98 confere ao consumidor o direito de contribuir para plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, decorrente de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, assegurado-lhe o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma também o pagamento da parcela anteriormente de responsabilidade patronal.

- O art. 30 da Lei n.° 9.656⁄98 é norma auto-aplicável, razão pela qual não tem sua eficácia condicionada à ulterior edição de qualquer instrumento normativo para produzir todos os seus efeitos, não havendo qualquer óbice à sua imediata e plena aplicabilidade.

- O inciso XI, do 4.°, da Lei n.° 9.961⁄2000, não tem o propósito de regulamentar o direito conferido pelo art. 30 da Lei n.° 9.656⁄98, mas ampliá-lo, determinando que a Agência Nacional de Saúde Suplementar adote medidas “para garantia dos direitos assegurados” nesse dispositivo.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 820379⁄DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28⁄06⁄2007, DJ 06⁄08⁄2007, p. 486)

No mencionado precedente, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, Sua Excelência dispôs:

Alega a recorrente que o Tribunal a quo violou o art. 30, da Lei n.º 9.656⁄98 e o art. 4.°, inciso XI, da Lei n.° 9.961⁄2000, pois, com fundamento no art. 30, da Lei n.º 9.656⁄98, o acórdão recorrido manteve o entendimento de que o ora recorrido tinha o direito de manter sua condição de beneficiário do "Plano Associado" oferecido pela recorrente, nas mesmas condições de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assumisse também o pagamento da parcela anteriormente de responsabilidade patronal (fls. 249); mas no entendimento da recorrente o referido dispositivo legal não seria auto-aplicável, porquanto o “Conselho Nacional de Saúde Suplementar – ANS, deve regulamentar a matéria, nos termos do art. 4.°, inciso XI, da Lei n.° 9.961⁄2000” (fls. 285).

Cinge-se a controvérsia, portanto, em saber se o art. 30, da Lei n.° 9.656⁄98, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde, é ou não norma auto-aplicável.

Nesse sentido, dispõe o art. 30, da Lei n.° 9.656⁄98, que: “Ao consumidor que contribuir para plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, decorrente de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma também o pagamento da parcela anteriormente de responsabilidade patronal.” Pela simples leitura desse dispositivo, verifica-se que se trata de norma auto-aplicável, eis que não necessita de qualquer regulamentação para ter eficácia plena. De fato, consoante a tradicional lição de Rui Barbosa, normas auto-aplicáveis ou auto-executáveis são aquelas que contém determinações que, para serem executadas, "não se haja mister de constituir ou designar uma autoridade, nem criar ou indicar um processo especial, e aquelas onde o direito instituído se ache armado por si mesmo, pela sua própria natureza, dos seus meios de execução e preservação." (Comentários à Constituição Federal Brasileira, coligidos e ordenados por Homero Pires, vol II, São Paulo: Saraiva, 1933, p.488).

Com efeito, a norma consubstanciada no art. 30 da Lei n.° 9.656⁄98 não tem sua eficácia condicionada à ulterior edição de qualquer instrumento normativo para produzir todos os seus efeitos, não havendo qualquer óbice à sua imediata e plena aplicabilidade; porquanto o seu próprio conteúdo já “fornece uma regra, mediante a qual se [pode] fruir e resguardar o direito outorgado” (cfr. Thomas M. Cooley, apud Jose Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, 6.ª ed., 2.ª tir. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 74), bastando, para tanto, que o consumidor que se sentir prejudicado pela operadora de plano de saúde, ingresse em juízo contra essa, para fazer valer o direito conferido pela referida norma.

Cabe ressaltar, outrossim, que a norma contida no inciso XI, do 4.°, da Lei n.° 9.961⁄2000, que dispõe que compete à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) “estabelecer critérios, responsabilidades, obrigações e normas de procedimento para garantia dos direitos assegurados nos arts. 30 e 31 da Lei no 9.656, de 1998”, ao contrário do que entende a recorrente, não tem o propósito de regulamentar o direito conferido pelo art. 30 da Lei n.° 9.656⁄98, mas ampliá-lo, determinando que a ANS adote medidas “para garantia dos direitos assegurados” nesse dispositivo – como, por exemplo, impor multas para as empresas operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde que desrespeitarem o direito conferido aos consumidores pelo art. 30 da Lei n.° 9.656⁄98. Note-se, ainda, que em nenhum momento, o inciso XI, do 4.°, da Lei n.° 9.961⁄2000 menciona que o exercício do direito assegurado no art. 30 da Lei n.° 9.656⁄98 dependerá de regulamentação.

Acresça-se a esses fundamentos, que, conforme determina o art. 3.°, da Lei n.° 9.961⁄2000, “A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.” Portanto, a competência da ANS, definida no art. 4.° da mesma lei, refere-se, entre outras, à fiscalização e regulamentação das empresas operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, para que, assim, sejam garantidos, entre outros, os direitos que propiciem “o desenvolvimento das ações de saúde no País”; razão pela qual, o inciso XI, do referido art. 4.°, não pode ser interpretado como se restringisse implicitamente o direito conferido pelo art. 30 da Lei n.° 9.656⁄98, porquanto esse dispositivo, justamente, amplia o acesso do trabalhador demitido à saúde – sem impor, ressalte-se, qualquer prejuízo econômico às empresas operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, porque esse direito é conferido ao trabalhador demitido desde que ele assuma também o pagamento da parcela anteriormente de responsabilidade patronal.

No mesmo sentido há outro julgado da Terceira Turma:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PLANO DE SAÚDE EM GRUPO - CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL (CASSI) - ARTIGO 30, CAPUT, DA LEI N. 9656⁄98 - NORMA AUTO-APLICÁVEL – PRECEDENTE - EX-EMPREGADO QUE PEDIU DEMISSÃO - PERMANÊNCIA NA QUALIDADE DE BENEFICIÁRIO - IMPOSSIBILIDADE - RESTRIÇÃO DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 30, CAPUT, DA LEI N. 9656⁄98 - - LIMITAÇÃO TEMPORAL NA CONDIÇÃO DE BENEFICIÁRIO – NECESSIDADE - ARTIGO 30, § 1º, DA LEI N. 9656⁄98 - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. A norma inserta no artigo 30, caput, da Lei n. 9656⁄98 é auto-aplicável, bastando, pois, que o ex-empregado postule o exercício do direito de permanecer vinculado ao plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde. Precedente.

[...]

6. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1078991⁄DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02⁄06⁄2009, DJe 16⁄06⁄2009)

6.2. Destarte, o artigo 30 da Lei 9.656⁄98 confere direito ao recorrido de ser mantido nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava durante a vigência do contrato de trabalho, após a cessação do seu vínculo laboral, contanto que assuma o pagamento integral do plano.

Nesse mesmo sentido se manifesta a doutrina:

A regra do caput do art. 30 vem corrigir grave injustiça praticada contra o consumidor contribuinte de plano privado coletivo de saúde ao assegurar-lhe, em caso de rescisão de seu contrato de trabalho, o direito de permanecer como beneficiário.

[...]

A norma do caput, como dito, é corretíssima. Ela vem evitar graves distorções que atingem o empregado que saiu de seu emprego, por meio do qual acabou vinculando-se a determinado plano de saúde. Muitas vezes a perda do consumidor-empregado é bastante grande, a começar pelas carências: a saída do plano joga fora automaticamente sua conquista na superação dos períodos de carência impostos pela operadora.

Além disso, muitas vezes são anos e anos de contribuição, e o consumidor, por ter-se tornado mais idoso, tinha feito toda uma programação de atendimento preventivo ou de acompanhamento de doenças com certos prestadores e serviços médicos, que é obrigado a abandonar.

A questão é simples: o desligamento da empresa de seu patrão não implica - nem pode- a desconstituição da relação mantida com a operadora.

É natural que as operadoras não queriam manter o vínculo por conta do preço: normalmente nos planos coletivos o preço é mais baixo para o consumidor, pois ele recebe subsídio do empregador, que arca com parte do valor cobrado. Agora, esse argumento não mais pode vingar, porque a norma garante a continuidade ao consumidor, desde que ele assuma a responsabilidade pelo pagamento da diferença.

[...]

O grande equívoco do legislador foi a inserção da limitação do § 1º. Não há dúvida sobre as garantias e o cálculo: 1⁄3 do tempo decorrido com um mínimo de seis (independentemente, portanto, da passagem de qualquer tempo) e um máximo de vinte e quatro meses. A lei está adiando a injustiça que se praticará. Não ocorre no ato da saída, mas vigerá por dois anos! (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários à Lei de Plano Privado de Assistência à Saúde. São Paulo: Saraiva, 2000, ps. 86-88)

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O § 1º do art. 30 da Lei 9.656 limita o prazo de manutenção da condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho com três marcações.

A primeira é um terço do tempo de permanência nos produtos, isto é, um terço do tempo em que esteve filiado ao plano de saúde coletivo empresarial o empregado, ou qualquer outro que tenha direito de manter-se sob cobertura daquele plano a que se filiava por dependência ou agregação.

Os outros termos que limitam são os 6 meses, como piso, e os 24 meses como teto. Quem tem mais de 72 meses de filiação não tem regalia para permanecer filiado, visto que 24 meses são 1⁄3 de 72. Mas, no lado do piso, um único mês de filiação ao plano gera direito de manter-se filiado, pagando integralmente, sempre, por mais 6 meses. Aqui não há necessidade de que o consumidor tenha permanecido filiado por 18 meses para ter direito aos 6 meses de manutenção.

Há quem veja grandes injustiças na regra, que estaria apenas adiando a data do corte da cobertura, aliadas a grandes dificuldades com a execução dos outros dispositivos do art. 30.

[...]

Há outras referência doutrinárias que anotam o equívoco do legislador na fixação desses prazos.

[...]

A ausência de tal regra limitadora do tempo de filiação seria um estímulo para que as empresas se desinteressassem pela estipulação dos planos e seguros coletivos aos empregados, esse provavelmente o maior filão do mercado explorado pelas operadoras no país.

[...]

O interesse por este tipo de assistência complementar oferecido por instituições sólidas e confiáveis é tanto que a Cassi passou a explorar a atividade como operadora de planos de saúde, oferecendo sua experiência e sua rede de credenciados a interessados que não tenham mais qualquer vínculo com o Banco do Brasil, ex-funcionários, aposentados e os dependentes e agregados deles.

Segundo seu Relatório de Atividades de 2001, a Cassi entrou no ano de 2000 administrando três grandes planos denominados "Associados" e "Saúde Família I" e "II", congregando mais de 970.000 associados e dependentes, vindos dos quadros de funcionários da mantenedora Banco do Brasil e de outras empresas e instituições conveniadas, inclusive da associação dos servidores do STF.

[...]

Havendo manifestação expressa do titular do plano ou seguro pela manutenção do vínculo contratual às suas expensas, dentro dos prazos estabelecidos, a operadora ou a seguradora não podem recusar o pedido nem simultaneamente denunciar o contrato em razão da resolução do contrato de trabalho.

O direito de manter o vínculo com a operadora não está sujeito à condição. Trata-se de relação jurídica distinta da principal que subsiste em qualquer hipótese de extinção do contrato de trabalho... (BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguros de Saúde Comentada e Anotada. São Paulo: Revista dos Tribunais,2003, ps. 212-216)

7. Com efeito, a tese de que o recorrido não teve interesse em permanecer no "Plano Associado", que lhe era amplamente favorável e, de modo voluntário e consciente, aderiu ao "Plano Saúde Família", deve ser repelida, pois, conforme o apurado pela Corte local, verbis:

Não é crível a alegação de que o embargante abdicou voluntariamente de um bom plano assistencial do qual era associado há anos, para aderir a outro mais oneroso e com menos vantagens. Ressalte-se que o autor despendia R$ 110,75 (cento e dez reais e setenta e cinco centavos) pela assistência médico-hospitalar, e o empregador arcava com R$ 166,13 (cento e sessenta e seis reais e treze centavos), totalizando R$ 276,88 (duzentos e setenta e seis reais e oitenta e oito centavos). Com a alteração do plano, passou a pagar R$ 592,92 (quinhentos e noventa e dois reais e noventa e dois centavos). Tal atitude só poderia ser esperada diante de uma imposição por parte da empresa, ou pela falta de informação. Ambas as conjeturas são repelidas no ordenamento jurídico pátrio, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor, como à luz do Estatuto Civil. (fl. 386)

Outrossim, a título de reforço de argumentação, das próprias razões recursais da recorrente, ressai nítida a sua malícia, pois sustenta que, ao arrepio da lei, seu estatuto prevê que só é possível a manutenção do consumidor no "Plano Associado" enquanto perdurar o vínculo empregatício do titular com o Banco.

Neste particular, a moderna doutrina civilista, ao adotar a concepção do vínculo obrigacional como relação dinâmica, revela o reconhecimento de deveres secundários, ou anexos, que incidem de forma direta nas relações obrigacionais, prescindindo da manifestação de vontade dos participantes e impondo às partes o dever de zelar pelo cumprimento satisfatório dos interesses da outra parte, vista no direito moderno como parceira contratual.

Sobre a importância da boa-fé nos contratos entabulados, vale conferir, a propósito, as abalizadas ponderações de Ruy Rosado de Aguiar Júnior:

[...] a boa-fé se constitui numa fonte autônoma de deveres, independentemente da vontade, e, por isso, a extensão e o conteúdo da relação obrigacional já não se medem somente nela (vontade), e, sim, pelas circunstâncias ou fatos referentes ao contrato, permitindo-se construir objetivamente o regramento do negócio jurídico com a admissão de um dinamismo que escapa ao controle das partes. A boa-fé significa a aceitação da interferência de elementos externos na intimidade da relação obrigacional, com poder limitador da autonomia contratual. O princípio da boa-fé significa que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, sendo, pois, mister que se proceda tal como se espera que o faça qualquer pessoa que participe honesta e corretamente do tráfego jurídico. (Ruy Rosado Aguiar Junior, Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, p. 238)

Convém registrar, também, o magistério de Cláudia Lima Marques, em artigo doutrinário versando especificamente a respeito de contratos de plano de saúde:

Já os aqui estudados contratos de planos de saúde, trata-se de contratos de cooperação e solidariedade, cuja essência é justamente o vínculo recíproco de cooperação (wechselseitige Verbundenheit), é a consciência da interdependência de cada um de seus participantes, consciência da necessidade de direcionar-se para o mesmo fim, de manter uma relação de apoio e de adesão ao objetivo compartilhado (Zusammengehörigkeitsgefühl), única forma de realizar as expectativas legítimas de todos. Como ensina Ronaldo Porto Macedo, apoiando-se nos ensinamentos de Durkheim e Macneil, cooperar é 'dividir com outro uma tarefa comum', 'é associar-se com outro para benefício mútuo ou para a divisão mútua dos ônus', solidariedade é 'o elemento moral pressuposto nas relações de cooperação, entendidas como divisão com outrem de uma tarefa comum', é 'o elemento de coesão social (de natureza moral) que permite aos homens estabelecerem relações de cooperação', é 'a unidade (de grupos ou classe) que produz ou está baseada em comunidade de interesses, objetivos e padrões'.

Os contratos de planos de assistência à saúde são contratos de cooperação, regulados pela Lei nº 9.656⁄98 e pelo Código de Defesa do Consumidor, onde a solidariedade deve estar presente, não só enquanto mutualidade (típica dos contratos de seguros, que já não mais são, ex vi a nova definição legal como 'planos'), mas enquanto cooperação com os mais velhos, enquanto divisão paradigmática-objetiva e não subjetiva da sinistralidade, enquanto cooperação para a manutenção dos vínculos e do sistema suplementar de saúde, enquanto organização do sistema para possibilitar a realização das expectativas legítimas do contratante mais fraco.

Trata-se de contratos cativos de longa duração, como antes explicitado, e que hoje mencionam e regulam (em ação afirmativa) a contratação por idosos. Os contratos de planos de saúde são contratos cativos de longa duração, pois envolvem por muitos anos um fornecedor e um consumidor, com uma finalidade em comum, assegurar para o consumidor o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros envolvendo a saúde deste, de sua família, dependentes ou beneficiários. Aqui está presente o elemento moral, imposto ex vi lege pelo princípio da boa-fé, pois solidariedade envolve a idéia de confiança e cooperação. Confiar é ter a 'expectativa mútua, de que', em um contrato, 'nenhuma parte irá explorar a vulnerabilidade da outra' em outras palavras, o legislador consciente de que este tipo contratual é novo, dura no tempo, que os consumidores todos são cativos e que alguns consumidores, os idosos, são mais vulneráveis do que outros, impõe a solidariedade na doença e na idade e regula de forma especial as relações contratuais e as práticas comerciais dos fornecedores, rivalizando com uma ação afirmativa a evitar e compensar uma discriminação existente no mercado em relação a estes consumidores" (in Revista Trimestral de Direito Civil, Editora Padma, Ano 2. vol. 8, 2001, pp. 25⁄26).

André Soares Hentz, em obra intitulada "Ética nas Relações Contratuais à Luz do Código Civil de 2002", Editora Juarez de Oliveira, ps. 98⁄99, explicita que:

Somente com advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, é que a boa-fé objetiva foi consagrada no Brasil. Legislação derivada de ditames constitucionais, a boa-fé passou a ser utilizada tanto para a interpretação de cláusulas contratuais como também para a integração das obrigações pactuadas, revelando ser fundamental que as partes se comportem com correção e lealdade até o cumprimento de suas prestações.

Cláudia Lima Marques explica que a adoção da boa-fé objetiva pelo Código de Defesa do Consumidor contribuiu sobremaneira na exegese das relações contratuais no Brasil como linha teleológica de interpretação (art. 4º, III), e como cláusula geral (art. 51, IV), positivando em todo o seu corpo de normas a existência de uma série de deveres anexos às relações contratuais, como dever de informação dos fornecedores e prestadores de serviços (art. 31) e a vinculação à publicidade divulgada, (arts. 30 e 35) dentre outros.

A existência dos chamados deveres anexos, instrumentais, secundários ou acessórios, revela-se como uma das faces de atuação ou operatividade do princípio da boa-fé objetiva, sendo nítido que a recorrente faltou com aqueles deveres, notadamente os de lealdade; o de não agravar, sem razoabilidade, a situação do parceiro contratual; e os de esclarecimento; informação e consideração para com os legítimos interesses do parceiro contratual:

"O adimplemento atrai e polariza a obrigação. É o seu fim". Com essas palavras, Clóvis do Couto e Silva inicia a sua obra "A obrigação como Processo", que entre nós introduziu, já na década de 1960, a noção dinâmica da relação obrigacional, considerada como "estrutura de processos" e como "totalidade", para a qual a noção de adimplemento desempenha um papel fundamental, distinto do mero modo de extinção das obrigações. O extremado relevo deste papel para a própria noção de obrigação só agora vem reconhecido pelo direito legislado, em razão da nova arquitetura da disciplina das Obrigações, traduzida pela estrutura sistemática adotada pelo novo Código Civil e pelas diretrizes teóricas que as polarizam.

Essa é, ao nosso juízo, a maior novidade do Código que entrou em vigor em 2003 em tema de obrigações: o traçar de uma estrutura que enseja um método diverso daquele tradicional, tudo estando embasado em uma nova ideologia, superadora do individualismo a outrance que, desde o inaugurar da Modernidade, tem sido colado ao Direito Privado como se fosse o seu selo, a marca gravada em sua genética.

Para bem marcar a diferença, observe-se que o Código de 1916 elencava as regras acerca do inadimplemento no Título II do Livro III da Parte Especial (Do Direito das Obrigações) sob a genérica denominação "Dos Efeitos das Obrigações". Este elenco de regras vinha posto misturadamente às regras sobre o inadimplemento (Capítulo XIII), logo subseqüente à parte onde se classificavam as "Modalidades das Obrigações" (Título I), e antecedentemente ao Título relativo ao fenômeno da transmissão das obrigações (reduzido ao caso da Cessão de Crédito, no Título III). O novo Código, diferentemente, introduz nesta matéria alteração metodológica que deve ser bem realçada.

[...]

No Título III, ao invés de englobar, assistematicamente, todas as formas pelas quais a relação obrigacional pode desaparecer, cuidou-se especificamente do cumprimento, ou adimplemento, ou ainda, pagamento, seja o cumprimento direto voluntário e adequado pelo devedor, correspondente ao conceito técnico ou estrito de adimplemento, seja o chamado cumprimento indireto, tudo nomeando, com maior rigor técnico, "Do Adimplemento e Extinção das Obrigações".

[...]

Foi esta importância vital do adimplemento na economia da relação obrigacional que o novo Código pretendeu realçar, inserindo o tema em capítulo autonômo. Adquiriu assim novo realce a pioneira concepção de Couto e Silva, que já dera frutos na doutrina e na jurisprudência.

[...]

Não mais se discute, em foros da ciência jurídica, que a relação jurídica obrigacional

"alberga, sem prejuízo de sua unidade, uma pluralidade de elementos autonomizáveis com utilidade para a captação do seu regime, constituindo, por isto, uma realidade complexa".

Oportunamente cuidaremos da idéia de relação obrigacional complexa. Por ora é importante reter que cada relação obrigacional surge, normalmente, polarizada em torno de uma ou mais prestações que definem a sua configuração típica. Trata-se dos deveres principais ou primários de prestação, que constituem o núcleo, a "alma da relação obrigacional", tendo em vista o atingimento do seu fim. Por esta razão, são eles que definem o tipo do contrato, se a relação obrigacional for contratual, sendo sempre os mesmos se for o mesmo tipo contratual.

Os deveres de prestação podem ainda ser secundários ou acidentais, o que comporta, por sua vez, outra subdivisão.

[...]

Porém, o conteúdo da relação obrigacional não se esgota nos deveres de prestação. Como averba Carneiro Da Frada, "a envolver os deveres de prestar, qualquer que seja a sua natureza, predispõem-se na relação obrigacional uma outra série de deveres essenciais ao seu correto processamento". São os chamados deveres instrumentais, entre os quais se inserem os deveres de proteção.

Os deveres instrumentais adquirem diversa terminologia. Ditos Nebenpflichten, na terminologia alemã, e por vezes mesmo chamados de anexos, ou laterais, ou acessórios, têm como particularidade o seu escopo, que diz com o exato processamento da relação obrigacional considerada como uma totalidade unificada finalisticamente, e considerados os legítimos interesses de ambos. Nesta medida, são deveres marcados pela instrumentalidade, razão pela qual nós os denominamos "deveres instrumentais". Como explica Carneiro Da Frada, estes deveres, diversos do dever de prestar,

"não estão estes virados, pura e simplesmente, para o cumprimento do dever de prestar, antes visam a salvaguarda de outros interesses que devam, razoavelmente, ser tidos em conta pelas partes no decurso de sua relação".

Os deveres instrumentais não decorrem necessariamente do exercício da autonomia privada nem de explicitação legislativa. Podem comparecer em qualquer relação obrigacional, apresentando-se em graus escalonados de intensidade conforme o dinâmico desenrolar da relação, as situações jurídicas subjetivas em causa, as suas características e circunstâncias concretas, sendo de impossível definição taxativa ou a priori. O desenvolvimento de sua tipologia, que é aberta, muito deve à atividade judicial.

Acentuemos as características.

São instrumentais os deveres decorrentes da boa-fé porque direcionam a relação obrigacional ao seu adequado adimplemento, à vista das concretas finalidades para que foi criado o vínculo; a mesma característica da instrumentalidade se verifica porque auxiliam a densificar a diretriz constitucional da solidariedade social no campo do Direito das Obrigações.

Igualmente, são "avoluntariadas" porque não derivam, necessariamente, do exercício da autonomia privada (podendo mesmo limitar aquele exercício) nem de pontual explicitação legislativa (servindo, muitas vezes, para suprir e corrigir disposição legal) tendo presente a relação obrigacional concretamente considerada, a sua "economia", o programa econômico contratual a ser visualizado no quadro da efetiva realidade social e econômica em que o contrato opera.

[...]

Embora não se possa, como alertamos acima, apresentar uma "listagem taxativa" dos deveres instrumentais, o estágio da doutrina e da jurisprudência já permite sinalizar dois grandes tipos ou grupos. A distinção opera entre os que têm um fim marcadamente positivo e os que visam proteger a contraparte dos riscos de danos na sua pessoa e no seu patrimônio, sendo, então, denominados deveres de proteção.

Exemplificativamente, constituem deveres instrumentais (positivos e de proteção) os deveres de lealdade, de cuidado, previdência e segurança; de aviso e esclarecimento; de informação; de consideração com os legítimos interesses do parceiro contratual; de proteção ou tutela com a pessoa e o patrimônio da contraparte; de não agravar a situação do parceiro contratual; de evitar ou diminuir os riscos; de abstenção de condutas que possam pôr em risco o programa contratual; de omissão e de segredo, em certas hipóteses, deveres que podem anteceder o contrato, na chamada fase pré-contratual, ou mesmo prolongar-se findo o negócio, hipótese da responsabilidade pós-contratual, como já vinha apontando a jurisprudência esclarecida.

[...]

Assim como ocorre a criação de deveres, pode ainda verificar-se, pela incidência da boa-fé objetiva, a limitação do exercício de direitos subjetivos ou de direitos formativos.

[...] vedando a contrariedade da conduta contratual, hipótese designada pela expressão tu quoque, ou ainda carreando à antiga fattispecie do abuso de direito uma conotação objetiva, assim como procede, agora, o art. 187 do Código Civil.

Estes deveres e limitações não são passíveis de definição a priori, porque, notadamente na relação obrigacional derivada de contrato, são os que resultarão necessários para a realização do "programa contratual" (entendido no aspecto objetivo e econômico-social) concretamente considerado. Portanto, sua especificação depende de cada contrato, à vista da sua relação econômica de base, afirmando Ruy Rosado de Aguiar que a boa-fé,

"implica a criação de uma norma para o caso de acordo com os dados objetivos que ele mesmo apresenta, atendendo à realidade social e econômica em que o contrato opera, ainda que isto o leve para fora do círculo da vontade".

Em suma, em paralelo aos deveres derivados do exercício da autonomia privada e daqueles especificamente cominados na lei, os deveres decorrentes da boa-fé, concretizados por via da atividade jurisdicional no campo de função demarcado pela relação obrigacional, sinalizam o adequado adimplemento, apontando, correspectivamente, às hipóteses de inadimplemento, cujo conceito resta, assim, correspondentemente alargado, pois pode ser ocasionado não só pela quebra dos deveres de prestação como pela violação dos deveres instrumentais e, de modo especial, dos deveres de proteção.

Por esta via compreende-se a íntima ligação ente o adimplemento (e, reversamente, o inadimplemento) e os deveres e limitações impostos pela boa-fé, considerada em sua feição objetiva. Esta, na medida em que implica a efetiva prossecução do fim da obrigação -isto é, o adimplemento com satisfação - "complementa as formulações, por vezes lacônicas, dos vínculos creditícios", ao provocar, para ambos os integrantes da relação jurídica, a já aludida assunção de deveres instrumentais e ao impor, por vezes, limitações a direitos subjetivos e poderes formativos. (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Org.). Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. V, ps. 1-43)

Com efeito, os artigos 6º incisos III, IV, V, 46, 51, incisos I, IV, XV, parágrafos 1º e 2º do Código de Defesa do Consumidor e 16, inciso IX, da Lei 9.656⁄98 impõem seja reconhecido o direito de o autor permanecer, no período subsequente ao rompimento de seu vínculo empregatício com o Banco, com as mesmas condições e cobertura assistencial, no Plano em que se enquadrava, qual seja, o "Plano Associado".

8. Todavia, como o artigo 30, § 1º, da Lei 9.656⁄98 impõe a manutenção do ex-empregado como beneficiário do plano de saúde, pelo período máximo de 24 meses e, no caso, por força de antecipação dos efeitos da tutela, o autor permanece no denominado "Plano Associado" desde o ano de 2003, não pode ser mais imposto à ré a manutenção do recorrido naquele Plano:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PLANO DE SAÚDE EM GRUPO - CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL (CASSI) - ARTIGO 30, CAPUT, DA LEI N. 9656⁄98 - NORMA AUTO-APLICÁVEL – PRECEDENTE - EX-EMPREGADO QUE PEDIU DEMISSÃO - PERMANÊNCIA NA QUALIDADE DE BENEFICIÁRIO - IMPOSSIBILIDADE - RESTRIÇÃO DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 30, CAPUT, DA LEI N. 9656⁄98 - - LIMITAÇÃO TEMPORAL NA CONDIÇÃO DE BENEFICIÁRIO – NECESSIDADE - ARTIGO 30, § 1º, DA LEI N. 9656⁄98 - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

[...]

3. O § 1º, do art. 30, da Lei 9.656⁄98 estabelece prazo mínimo de 6 (seis) meses e máximo de 24 (vinte e quatro) meses para a permanência do empregado exonerado⁄demitido sem justa causa permanecer no plano ou seguro saúde ao qual estava ligado durante período em que mantinha o vínculo empregatício. A prorrogação compulsória da permanência por tempo superior ao prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses, não encontra amparo legal.

4. A única hipótese legal de alteração no prazo do benefício do caput do art. 30, da Lei 9.656⁄98 é a estabelecida em seu § 5º, o qual prevê a sua extinção quando da admissão do ex-empregado em novo emprego.

6. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1078991⁄DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02⁄06⁄2009, DJe 16⁄06⁄2009)

Ademais, apenas a título de registro, cabe observar que a Resolução Normativa da Diretoria Colegiada Agência Nacional de Saúde Suplementar n. 279, de 24 de novembro de 2011, que revogou as Resoluções CONSU 20 e 21 de 1999, estabelece no artigo 4º, parágrafo único, verbis:

Art. 4º É assegurado ao ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa que contribuiu para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do artigo 1º da Lei nº 9.656, de 1998, contratados a partir de 2 de janeiro de 1999, em decorrência de vínculo empregatício, o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

Parágrafo único. O período de manutenção a que se refere o caput será de 1⁄3 (um terço) do tempo de permanência em que tenha contribuído para os produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do artigo 1º da Lei nº 9.656, de 1998, ou seus sucessores, com um mínimo assegurado de 6 (seis) e um máximo de 24 (vinte e quatro) meses na forma prevista no artigo 6º desta Resolução.

9. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial apenas para reconhecer que a manutenção do autor, no mesmo plano em que estava incluído por ocasião do rompimento de seu vínculo de emprego com o Banco, não pode mais ser imposta à recorrente, vencido o prazo fixado em lei, mantido o acórdão quanto ao mais, inclusive os ônus sucumbenciais.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2007⁄0031572-5


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 925.313 ⁄ DF

Número Origem: 20030110848985

PAUTA: 01⁄03⁄2012

JULGADO: 01⁄03⁄2012

Relator

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. MARIA CELIA MENDONÇA

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE

:

CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL

ADVOGADO

:

ISRAEL PINHEIRO TORRES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

SALO RENATO

ADVOGADO

:

OSIVAL DANTAS BARRETO

ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Contratos de Consumo - Planos de Saúde

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Relator, dando parcial provimento ao recurso, PEDIU VISTA dos autos o Sr. Ministro Raul Araújo.

Aguardam os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi.

RECURSO ESPECIAL Nº 925.313 - DF (2007⁄0031572-5)

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL

ADVOGADO

:

ISRAEL PINHEIRO TORRES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

SALO RENATO

ADVOGADO

:

OSIVAL DANTAS BARRETO

VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Na última sessão de julgamento da 4ª Turma deste Tribunal, após o voto do eminente Ministro Luis Felipe Salomão, Relator, que dava provimento parcial ao presente recurso especial, pedi vista para examinar mais de perto a questão, vindo-me os presentes autos conclusos no dia 02⁄3⁄2012.

Após o exame dos autos, acompanho integralmente o judicioso voto do relator para dar parcial provimento ao recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2007⁄0031572-5


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 925.313 ⁄ DF

Número Origem: 20030110848985

PAUTA: 01⁄03⁄2012

JULGADO: 06⁄03⁄2012

Relator

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. MARIA CELIA MENDONÇA

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE

:

CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL

ADVOGADO

:

ISRAEL PINHEIRO TORRES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

SALO RENATO

ADVOGADO

:

OSIVAL DANTAS BARRETO

ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Contratos de Consumo - Planos de Saúde

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Raul Araújo, dando parcial provimento ao recurso, acompanhando o Relator, e os votos dos Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi no mesmo sentido, a Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo (voto-vista), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Documento: 1126984

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 26/03/2012

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https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1126984&sReg=200700315725&sData=20120326&formato=HTML